ApresentaçãoDevo dizer que este não será um texto fácil. Portanto se você quiser deixá-lo de ler aqui, eu não só entendo, como recomendo. Este texto não vai te deixar feliz, nem tão pouco pensando em coisas boas.
PrólogoEu já falei de Megabyte aqui. Da importância dela nas nossas vidas. De quanto fomos felizes por ela ter dividido sua breve existência conosco. Vou contar mais uma coisa sobre ela. Desde sempre Mega teve em seu lindo pescoço uma coleira, tipo corrente, onde havia uma placa com seu nome e nossos telefones, caso, Deus me livre, ela se perdesse. Ela a usava diariamente, só a tirava para tomar banho e quando acabávamos de a enxugar balançávamos a corrente e ela vinha para colocarmos novamente. Era engraçado, parecia que sem a coleira ela se sentia nua. Acho que ela também tinha medo de se perder da gente.
É hora de você desistir...Sábado passado fui deixar Flávio no Recife Antigo, por volta das 7 horas da manhã. Resolvi voltar pela Avenida Sul, coisa que nunca faço. No final da via há uma ponte que nos liga ao bairro de Afogados. Não havia o tráfego intenso, mas havia carros o suficiente para que eu não parasse imediatamente. De repente olhei para o lado direito da ponte e vi um homem, na casa dos 20 anos vestido de bermuda, tênis e camisa de malha.Segurava por debaixo das patas dianteiras um cachorro amarelo de costas para si, um vira-lata desses fortinhos (estilo pitt bull), do outro lado do parapeito da ponte. Eu testemunhei exatamente quando ele o soltou. O mundo parou. Eu não conseguia crer naquilo que meus olhos estavam vendo e por um momento invejei Édipo que arrancou os seus. -
Eu disse para você desistir - . Ele deu uns passos e olhou para o rio, talvez para certificar-se de que a sua ação tenha sido prodigiosa e então naqueles milésimos de segundo, que ficaram gravados a ferro e fogo em minhas retinas, eu vi o pior, ele guardou a coleira do cão no bolso. Ele atirou o cão no rio, mas guardou sua coleira. Meu Deus, tem algo errado, muito errado.
Minha cabeça processava tudo tão depressa que não sei como não subi a calçada. O cachorro, o rio, a coleira. Imediatamente uma enxurrada de lembranças invadiu-me: Mega e sua banheirinha rosa, sempre com água morna e de sua correntinha com placa que ela ostentava com tanto orgulho. Pensei no pobre do cão, nas suas patas traseiras patinando no ar, na sua queda livre, no seu mergulho. Não sei se ele sobreviveu. Eu com certeza, naquele momento, morri um pouco mais do que o que habitualmente morremos a cada dia.
Ainda não passei pela ponte, mas um pedaço significativo da minha credibilidade na raça humana foi atirada de lá, e com certeza, não sobreviveu.
EpílogoQuando for minha vez de encontrar o Criador quero que na minha mão ao invés de um terço ou flores coloque-se a coleira de Mega, que está devidamente guardada para isso. Quero levá-la para ela. Quero novamente colocá-la em seu pescoço, porque uma coleira não é nada sem um cachorro. E um Homem não é nada sem o amor de um cão.
Para Rosa Zarella,
por seu amor incondicional aos animais em perigo
e a quem eu admiro ainda mais.
E para Dora Maar, que hoje tem casa, comida e coleira.